quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Capítulo I

I
Resquícios

- Chegou em tempo meu jovem Bardo, vou acender mais algumas velas, sente-se e coma algumas das frutas que eu mesmo colhi para esta ocasião. Como é mesmo seu nome?
- Baniodi é meu nome. Perdoe meu nervosismo, mas minha juventude dificulta-me acreditar que estou diante de Sirgoth e que fui por ele escolhido para ilustrar essa narrativa.
- As lendas às vezes fazem os homens parecerem maiores do que são meu jovem, que se dirá então dos magos, que por gerações seguidas sobrevivem sobre no solo desta terra? Embora minhas forças estejam longe do que um dia já foram.
- Os olhos de Baniodi estavam fitos aos gestos do ancião que movia suavemente os dedos no ar enquanto as velas se acendiam ao seu redor.
- Vamos começar então, anseio que tudo seja escrito antes que eu tenha que partir.
Há muitas eras, nas Montanhas do Norte, quando estas ainda não formavam o colossal reino de Arkedun, que estava limitado a um forte reinado, governado por um tirano mão-de-ferro, Sirgoth estava, entre o povo dos antigos feiticeiros, no viço de sua juventude, iniciando-se na magia da Escola das Cavernas do Norte, onde a lava incandescente ensinava-lhes o manejo das antigas artes místicas do fogo. Os bárbaros ainda corriam livres pelas montanhas com suas crianças, caçavam e guerreavam entre si. No entanto, embora se mantivessem longe de Arkedun, temerosos pelas derrotas sofridas nos últimos quinze anos lunares, a cada dia viviam acostumando-se a estarem acuados e reprimidos pela fome e há muito haviam perdido o brilho dos guerreiros saqueadores de terras, seus domínios ainda eram extensos e ao mesmo tempo em que faziam brilhar a cobiça nos olhos do tirano de Arkedun, provocava temor no mais forte dos homens imaginar enfrenta-los nas florestas fechadas sobre as concavidades e fissuras que ladeavam e repartiam as montanhas.
Quando em uma tarde chegou a noticia de que Arkedun invadiria as montanhas bárbaras, o Grande Conselho das Cavernas de Fogo se reuniu como só acontecia a cada vinte anos lunares e decisões importantes, que durariam vidas inteiras, foram tomadas antes que o sol daquela tarde desaparecesse dos céus. Os mais sábios entenderam que se tomassem as montanhas o exército de Arkedun certamente chegaria as cavernas.
Sirgoth desejava em seu espírito estar naquela sala, sentado ao redor da grande mesa, iluminada pelo fogo sagrado das montanhas, mas só ao cinco mais antigos cabia tal honra. Estava sentado junto aos demais na grande mesa do salão circular, quando soube que seriam divididos entre aqueles que deveriam esvaziar o lugar, que por anos haviam chamado de lar, e aqueles que deveriam partir em auxílio dos bárbaros que por anos haviam sido a única companhia na solidão das montanhas.
Caminhou entre as velhas cabanas destruídas, se afastando dos outros que o seguiam, observando os corpos dos bárbaros e dos soldados de Arkedun, não eram poucos os que haviam tombado no combate, mas nada encontrou que animasse a continuar sua busca. Observou então as marcas, deixadas por cascos dos animais ferrados, em direção ao interior da montanha, os bárbaros não ferravam seus animais, estava claro que os soldados haviam descoberto a Escola das Cavernas, onde a morte certamente esperava para engoli-los em forma de uma armadilha de calor e larva incandescente.
Sirgoth deixou os demais para trás sem dar uma palavra, movido apenas pelo impulso de seu coração, seguiu cavalgando sem rumo em direção ao norte, querendo se afastar de alguma maneira daquele lugar. Já havia cavalgado por quase toda noite, quando ouviu na escuridão o barulho de rodas e animais e pensou consigo mesmo que só poderiam ser soldados de Arkedun, retornando ao Império com o que haviam retirado dos bárbaros. Cavalgou mais depressa pela estrada que agora se estreitava, sem se preocupar com o risco que poderia correr pela sua imprudência, até que viu ao longe a carruagem e enquanto cavalgava seus braços se acenderam como duas tochas, de maneira que toda a estrada a uma distância de três metros ficasse iluminada. A carruagem parou, as armaduras dos soldados reluziram ao brilho do fogo, eram quatro, dois primeiros correram para fora da estrada em direção a floresta, assustados com a figura sinistra que avançava com uma fúria que em nada se parecia com um homem que por anos havia estudado as artes da magia em um lugar de paz e silencio. Num instante Sirgoth parou diante dos dois soldados restantes a uma distancia de quinze passos, nenhuma palavra foi dita, uma luminosidade saiu de seus dedos apontados em direção aos soldados e um pequeno brilho partiu no ar como o zumbido de uma flecha cortando o vento, explodindo em chamas ao encontrá-los. Então, quando finalmente se deu conta do que havia feito, correu até a carruagem passando pelos corpos em chamas, havia nela uma pequena jaula e dentro, embrulhados em folhagens verdes, três pequenos recém-nascidos, havia ainda alguns barris e baús que não tomou conhecimento em abrir. Tomou os pequeninos em seus braços e montando uma bolsa que carregava a frente de seu corpo prosseguiu cavalgando, sabendo que ao amanhecer teria uma legião de soldados a sua procura.
Enquanto cavalgava e pensava em como iria escapar do cerco dos soldados, lembrou-se de que muitas vezes havia ouvido falar da Floresta das Sombras, escondida entre as montanhas do norte, e ouvira os sábios dizerem que em algumas de suas partes a floresta só se deixava encontrar por aqueles aos quais desejava e aquele haveria de ser seu dia, tinha de ser seu dia. Seguiu entre vales e matas cada vez mais densas, no ponto em que se tornou impossível seguir montado deixou para trás o animal e seguiu a pé, movido apenas por um instinto de que estava no caminho certo, até que o dia que surgia no amanhecer pareceu desaparecer em instantes, os galhos se fecharam sobre sua cabeça como na noite mais escura que já havia visto, uma presença assustadora pairou na escuridão, uma presença que poderia ser sua última esperança. Em instantes a floresta parecia ter lhe tragado e podia senti-la movendo ao redor, como alguém que tentasse lhe falar algo ao ouvido.
- Sirgoth, das montanhas de fogo! Tens coragem de chegar até aqui!
- Os pequeninos! Salve os pequeninos, espírito da floresta das sombras! - Arfava e falava com dificuldade, sua garganta estava seca e suas pernas trêmulas de cansaço.
- Deixe os pequenos, feiticeiro, mas existem coisas que o destino uniu e que nós não podemos separar! Seu destino está unido ao deles como a sombra e a luz!
- Não me importa... - Tentou ainda algumas palavras, mas suas pernas vacilaram e acabou caindo vencido pelo cansaço.
Ao acordar sentiu o sol queimar-lhe o rosto, estava em uma estrada e havia ainda consigo duas das três crianças, começou a caminhar se esquecendo de uma vez por todas do risco de ser encontrado, o sol o incomodava, a fome e o cansaço o impediam de caminhar e havia ainda os pequenos, que não resistiriam a uma longa jornada. Após algumas horas de caminhada faltou-lhe novamente força para prosseguir, havia perdido a noção de quantas horas estava caminhando. A imagem turva de uma carruagem surgiu a sua frente, ainda podia diferenciar o balanço do metal de armaduras, até que alguma coisa o atingiu na cabeça e novamente terminou por abraçar a inconsciência.
Quando voltou a si sentiu seu corpo pendido no ar, tinha dificuldade de respirar e seus pulsos queimavam! Ouvia vozes ao redor, mas não podia diferenciá-las a principio. Aos poucos, à medida que sua visão clareava, se deu conta de que estava sendo carregado pendurado em uma estaca apoiada sobre o ombro de dois homens robustos que pela aparência e aspecto eram bárbaros capturados nas montanhas. Ao redor, até onde conseguia inclinar sua cabeça, havia vários soldados. Pelo barulho das armaduras deveria haver mais homens à frente, fora de sua visão. Havia ainda som de cavalgaduras e um cheiro forte de animais, estavam montados. Bem próximo conseguiu ouvir som de choro de mulheres, mas nada de crianças. Um dos soldados que estava próximo falava algo a seu respeito, não havia dúvidas, era um dos dois homens que haviam fugido no dia anterior, certamente havia lhe identificado, agora sim estava perdido. Um dos homens aproximou-se e jogou-lhe no rosto uma bebida forte que fez suas vistas queimarem e os soldados davam risadas. Havia sido preparado durante toda sua vida para ser um feiticeiro e não um guerreiro das estepes, não sabia quanto tempo sobreviveria aquela empreitada. Poderia facilmente usar o fogo e livrar-se das cordas, mas não sabia quantos homens havia e se conseguiria enfrentá-los, preferiu prosseguir como estava até que novamente perdesse a consciência ou que chegasse a seu derradeiro destino, o que não demorou muito, pois um dos homens atingiu-lhe na cabeça com o punho da espada, sentiu o sangue escorrer cobrindo-lhe a visão.
- Sei que os jovens são ansiosos, mas basta por hoje. Sou um homem velho e a sabedoria nos ensina a paciência, amanha ao anoitecer, depois de minha última refeição, continuaremos a história. Encerre com uma de suas poesias, uma que fale da beleza daquelas pequenas crianças, do brilho que havia naqueles olhos pequeninos e sofridos. Termine sua refeição e deixe a porta encostada, eu irei descansar.
“Dos lírios que nascem no vale nada se iguala à beleza, e ainda que nasça em meio ao escuro pântano conservar-se a seu brilho e viço. Que as mãos corrompidas dos negros corações não toquem sua mácula e enegreçam sua beleza, que seja cantada por todos os homens que pisarem este solo”
Poesia primeira.
Dos manuscritos de Baniodi, Bardo cantador das noites.

Um comentário:

Unknown disse...

po dido adorei o 1º capitulo mais cara como vc disse eu sou jovem e estou ancioso para ler o resto...