sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Novidades e muitas desculpas

Olá a todos!
Minha passagem por aqui hoje é para primeiro me desculpar pela não publicação imediata do restante da estória, mas é necessário primeiro registrar a segunda parte para que fique protegido o direito autoral!
Mas esse não é único motivo! Queria anunciar que abro espaço para que, enquanto esse processo transcorre, façamos desse espaço um espaço de discussões, críticas e bate papo sobre RPG em geral! Então deixo aqui meu e-mail didido79@hotmail.com para que possam enviar artigos para publicação, lembrando de seguir as normas abaixo:

- Máximo de 5.000 caracteres!
- Estamos a vontade para fazermos ajustes e sugestões quanto a sua publicação, sempre consultando o autor antes da publicação.
- Quando enviar o artigo mande junto: 1- se deseja que seu e-mail seja publicado para contato, 2- Um pseudonimo caso não queira seu nome publicado.

Espero que possamos democratizar cada vez mais esse espaço!

Abraço!

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Capítulo VI

VI

Eloise


Acordou com o som da música e das risadas, no salão da taverna a festa já havia começado e parecia haver homens de todos os tipos e lugares. Aventureiros, mercenários e muitos anões enchiam seus copos de cerveja num grande barril sobre o balcão. Em um canto um grupo tocava animadamente e os banjos e tambores se combinavam em canções que animavam os incansáveis dançarinos. Um pequenino, ainda menor que os anões, guiava os mais exaltados até fora da taverna e lá permaneciam até que se livrassem de todo excesso de cerveja e vinho, quando então voltavam para a festa, mas eram impedidos de ter acesso novamente ao barril. Oliver estava sentado, cercado de mulheres e parecia ser o único a falar todo o tempo, o que não era de se espantar, dado o seu costume de negar esse direito aos outros, mas foi outra figura que chamou-lhe a atenção, uma mulher sentada sozinha em uma das mesas. Era de uma beleza admirável, com o olhar perdido como se olhasse para algo distante e como se estivesse sozinha ali naquele lugar, não se incomodando com o barulho e a dança ao redor. Fez menção de aproximar-se, mas antes que atravessasse o tumulto do salão a mulher se foi como se nunca estivesse naquele lugar. Durante aquela noite sua lembrança permaneceu com Sirgoth.

Pela manhã havia garrafas e copos espalhados e os empregados trabalhavam duro na limpeza e na arrumação da taverna, que já começava a encher-se novamente.

- Como passou a noite Senhor? Eu o vi poucas vezes – Disse Oliver, sentado junto ao balcão.

- Estava bêbado demais para me ver Oliver! O lugar é agradável quando não se deseja descansar. Diga-me, ontem enquanto dançavam havia uma bela dama bem ali naquela mesa, sozinha, de longos cabelos escuros e de um olhar triste. Conhece-a?

- Eloise? Claro! Todos nesse lugar a conhecem. Foi desposada do imperador de Antares. Seu erro foi lhe ter dado um herdeiro. O imperador achou que isso foi proposital e expulsou-a da corte. Bem, segundo uma lei antiga, nenhuma mulher tocada pelo imperador pode ser tocada por outro homem, ao menos dentro de seu reinado, e o castigo para Eloise foi ainda mais severo: ninguém na cidade pode dirigir-lhe a palavra ou dar-lhe qualquer ajuda – Nesse momento Oliver aproximou-se do ouvido de Sirgoth. – Na verdade ouvi dizer que o taverneiro lhe dá o que sobra da comida da noite, depois que todos saem. É um bom homem, a taverna lhe dá bons lucros, mas se é descoberto a sentença certamente será a masmorra. Ela agora tem morado em um velho casebre abandonado na saída da cidade.

- Como você saber de tanta coisa mascate?

- É a vida de um errante Senhor. Ganho minhas moedas vendendo e para vender é preciso contar histórias. As pessoas gostam disso. Aqui mesmo já juntei muita coisa para vender e agora devo seguir adiante, estou querendo ir para Tyr, vai haver uma grande festa lá na chegada do verão e as vendas serão boas. O Senhor tem algum destino certo?

- Ainda não! Vou ficar aqui por um bom tempo.

As lutas no coliseu não eram exatamente como Agohot havia dito ou então alguém teria resolvido trazer de volta os antigos gladiadores e as matanças, porque eram pobres coitados que Sirgoth viu lutarem pela própria vida contra animais ferozes e homens armados. As imagens causaram-lhe repugnância e não demorou muito para que abandonasse o lugar e desejasse logo abandonar a cidade. Quando caminhava de volta para a taverna viu novamente a mulher da noite anterior, que com um grande esforço retirava água do poço e a depositava em frascos dentro de uma grande cesta.

- Posso ajudá-la? – Tomou-lhe com delicadeza a corda e retirava a água do poço.

- Deve ser um louco ou um forasteiro desavisado – recusou-se a pegar água que Sirgoth havia tirado e ergueu a cesta.

- Não sou louco e nem sou desavisado, mas sou sim um forasteiro. Meu nome é Sirgoth e não sigo os costumes desse lugar.

- Então se fosse você cuidaria de guardar as próprias costas - Notou então os soldados que o observavam, admirado de que se pudesse gastar o soldo com homens para vigiar e atormentar a vida de mulheres. Que espécie de homem poderia governar aquele lugar.

E os problemas de Sirgoth ainda nem haviam começado, estava fascinado por Eloise e a todo tempo pensava em como poderia ajudar aquela mulher, até que em uma noite, parado na janela, olhando o movimento que ia se acabando na madrugada, pode ver quando uma figura se esgueirou nas sombras para dentro da taverna e antes que fizesse menção de descer como havia planejado percebeu que os soldados a seguiam, três entraram na taverna e o quarto permaneceu na porta. Desceu correndo as escadas e antes que chegasse ao salão ouviu gritos de desespero, um soldado havia atingido o taverneiro que estava caído e o ameaça com uma espada, enquanto outro segurava Eloise sobre a mesa para que o terceiro rasgasses sua roupa. Um ódio súbito tomou conta de Sirgoth.

- Pensei que um decreto proibia que ela fosse tocada, imundo! – O terceiro soldado largou-a então e voltou-se para ele.

- Ora! Se não é o gentil galante do poço – Disse voltando-se e sorrindo com sarcasmo para o outro soldado. – Acho que antes do taverneiro o decreto já havia sido quebrado, vão ser dois por um esta noite!

- Você poderá tentar, mas não pense que será como atacar donzelas ou taverneiros! – Então fitou fixamente a lâmina da espada que se tornou vermelha como se naquele instante você retirada da forja. Assustado, o soldado arremessou-a para longe e retirando uma faca avançou, enterrando-a pouco abaixo do ombro de Sirgoth que sentiu a dor descer-lhe pelo corpo e sem outra alternativa revidou fazendo com que o fogo tomasse conta de todo corpo do soldado. O homem que havia ficado do lado de fora entrou nesse momento e junto com que o que estivera segurando Eloise esforçou-se para apagar o fogo do corpo do amigo. Sirgoth aproveitou e tomando o taverneiro pelos ombros, seguiu para os fundos da taverna imaginando uma possibilidade de fuga, mas o homem sangrava e era excessivamente pesado mesmo com a ajuda de Eloise.

- Não me ajude mais homem, não há como sair daqui! Fuja com Eloise. Ela o levará a um lugar seguro e não volte a Amion ou a Antares tão cedo – Eloise chorava convulsivamente e ficava claro o forte laço que havia entre os dois, ouviram o barulho dos soldados que os perseguiam e partiram tomando um dos animais que ficavam amarrados na saída de trás da taverna, desamarrando e assustando os demais para que não fossem usados em sua perseguição. Pararam em um pequeno casebre na saída da cidade, Eloise entrou e voltou com um pequeno embrulhado em mantas, por um instante Sirgoth lembrou-se dos três pequeninos que haviam salvado há muitos anos nas montanhas bárbaras de Arkedun, então, seguindo a direção indicada por Eloise, partiram da cidade e foram em direção às Montanhas de Chalff.

As montanhas eram territórios livres e não mais faziam parte do Reino de Antares, havia ali um pequeno casebre de caçadores onde pararam e se alojaram. Eloise conhecia bem o lugar e mais tarde explicou a Sirgoth que quando criança costumava sair para as caçadas com seu pai e sempre faziam uso da cabana que ele mesmo havia construído.

Naquele lugar de paz, Sirgoth abandonou suas buscas e seus ideais de viagem e se entregou a longos anos na companhia de Eloise e Heranon. Periodicamente desciam as províncias do Reinado da Caledônia, onde se tornaram conhecidos. Participavam das festas anuais, reabasteciam-se do necessário para sobreviver ao inverno rigoroso e retornavam para as montanhas.

Heranon cresceu a sombra do amor de Sirgoth e Eloise, aprendeu com seu tutor as artes da magia do fogo e desenvolveu-a com impressionante habilidade, mas quando se sentavam no topo da colina durante as tardes e Sirgoth contava-lhe as histórias dos Reinos antigos e de lendas passadas, via uma nuvem de desejos cobrir-lhe o olhar e sabia que sua alma desejava distanciar-se daquele lugar, como a sua própria havia desejado um dia. Em seu trigésimo sétimo ano de vida Eloise adoeceu e embora Sirgoth tenha com ela percorrido até mesmo Amion, onde havia jurado jamais voltar, seu tempo havia terminado e para ela pai e filho fizeram uma belíssima sepultura sobre a sombra de uma grande árvore e o desejo de não mais permanecer naquele lugar tomou o coração de Heranon. Para Sirgoth era chegada a hora de contar-lhe a verdade sobre seu pai. Sentaram-se pela última vez nas colinas durante à tarde e a alma de Heranon tornou-se amarga por um segredo que lhe foi ocultado durante todos os anos em que estivera com sua mãe. Partiu em uma manhã de sol levando seus únicos e poucos pertences, sem dirigir-lhe nenhuma palavra.


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quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Capítulo V

V

A Caminho de Antares

O caminho para Antares era um caminho duro, de poucas vilas e de poucos lugares não-hostis para se descansar e alimentar. A própria desertificação transformara o caminho entre os reinos de Caledônia e Antares em refugio para ladrões e escravistas. A oeste ficava uma grande província do reino de Covenant, formada as margens do Rio Dourado, batizado pelos antigos com esse nome pelo brilho dourado de suas águas no contato da areia com o sol escaldante do deserto, habitada por andarilhos e escravistas que se mudavam á cada verão, quando o Rio secava e a fonte de água mais perto se tornava o Rio de Antares, guardado em seu leito pelos exércitos de Antares para evitar os agrupamentos de andarilhos e forasteiros. A leste ficava a sombria e misteriosa Espinha de Névoa, um extenso complexo de montanhas cruzando todas as terras de um lado a outro do continente, dividindo ao meio o grande deserto, coberta por uma névoa espessa que não desfazia em nenhuma época do ano. Mesmo a visão distante das montanhas causava calafrios em Sirgoth, que tomara conhecimento de muitas lendas sobre as criaturas que habitavam o lugar e que vez por outra desciam próximo aos reinos civilizados na busca de carne humana para se alimentarem.

Não estava, no entanto, em seus planos, o oeste ou o leste, mas seguia para o Sul, para o Reino de Antares. Já havia caminhado no deserto por quase três semanas quando chegou finalmente à estrada, indicação de que estava próximo de seu destino, viu surgir ao longe carroças e homens a cavalos, temeu e cogitou se deveria desviar seu caminho que sabia estar ainda fora da proteção de Antares, mas pensando na possibilidade de já ter sido avistado seguiu adiante. Eram quatro homens montados, vestiam trajes comuns ao deserto, com gorros que serviam para proteção do rosto nas tempestades de areia. Caminhando estavam dois homens, carregando sobre o ombro um terceiro que estava amarrado a uma estaca, exatamente como o próprio Sirgoth ao ser capturado um dia pelo exército de Arkedun, e a lembrança daqueles dias retornou por um instante a sua mente.

- Saudações forasteiro! Não teme andar sozinho por estes caminhos? – perguntou um dos homens que estavam montados.

- Tenho meus próprios meios de defesa, andarilho! Para onde o levarão? – Enquanto falava, Sirgoth soltava com suavidade a rédea e tomava nas mãos um punhado dos grãos de areia que trazia no bolso. Já havia percebido o movimento de um segundo homem que sacava discretamente a lâmina de uma faca.

- É um ladrão do deserto! Vamos levá-lo para o acampamento e amanhã vendê-lo na próxima semana no leilão em Antares. Têm interesse por comprar escravos forasteiro?

No momento em que falava o homem, que antes sacava a lâmina, saltou do cavalo em direção a Sirgoth, que retirou do bolso a areia que segurava e jogou-a no ar. O pavor tomou conta dos olhares incrédulos dos algozes de Sirgoth, quando em seu lugar surgiu a imensa figura de um homem lagarto das montanhas, tendo nas mãos enormes garras, com mandíbulas escancaradas e ameaçadoras. Os dois homens que seguravam a estaca largaram-na e correram de volta pela estrada. O que antes partira com a faca na direção de Sirgoth estava caído e os dois homens ainda montados fugiram apavorados na direção dos outros. Os animais, no entanto permaneciam calmos, como se nada houvesse acontecido.

O homem amarrado à estaca e amordaçado estava apavorado. Sirgoth aguardou por um tempo até que o encanto mágico passasse finalmente desatou suas cordas.

- Obrigado Senhor, mas não me faça mal. Sou um pobre vendedor capturado por esses escravistas – Sua voz era trêmula.

- Então não é um ladrão?

- Não sou um ladrão Senhor! Estava de passagem no vilarejo que encontrará à frente quando esses homens chegaram. Eram mais de 40 homens, os outros devem ter tomado outra direção.

- Qual o seu nome homem e não fique me chamando de Senhor?

- Me chamam de Oliver Mascate Senhor? Trabalho por essas estradas vendendo papel e loções. Jamais fiz mal algum a alguém.

- É visível que não é mesmo capaz de fazer mal a ninguém.

Com as últimas palavras Sirgoth preparava-se para retomar a estrada quando Oliver pôs-se à frente do animal.

- O Senhor vai me deixar aqui?

- Já disse para não me chamar de Senhor e o que espera que eu faça?Que o ponha em meu animal e carregue-o como uma donzela?

- Na verdade era exatamente o que eu havia pensado!

- Esqueça!

- Mas Senhor! Conheço estas estradas e conheço Amion, a capital de Antares. Posso ser seu guia. Há muitos jogos lá sabia? Eu poderia lhe indicar os melhores jogos e as melhores mulheres.

- Não estou interessado em jogos e mulheres mascate, mas pode subir. Preciso de um guia que conheça esta região – Esticou a mão ajudando Oliver a subir, desajeitado, no animal.

- Diga-me Senhor! É um feiticeiro? O que fez foi uma magia não foi? Foi uma magia que fez com se transformasse naquele homem lagarto não é mesmo? E o Senhor também faz raios e tempestades de fogo?

- Alguém já lhe disse que você fala demais Mascate? E pergunta demais. Sei alguns truques sim e aquilo não foi uma magia, mas um truque de feitiçaria. Também não me transformei em nenhum homem lagarto, mas o que viram foi o maior temor que havia em seus corações naquele instante.

A cada instante que cavalgavam a paisagem mudava e se tornava verde, árvores iam surgindo aos poucos pelo caminho, o deserto ia ficando para trás e o ar se tornou mais fresco e úmido. A caminho da capital Amion passaram por inúmeras cidades do reino de Antares, todas movimentadas e com grandes salões de jogos, confirmavam a justa fama que Antares matinha de ser o reino dos jogos e das mulheres, elas sempre superlotavam os salões, atrás de jogadores e de seus lucros. Oliver parecia sempre estar em casa a cada lugar que passavam, conhecia inúmeras pessoas que sempre o tratavam apenas por mascate e sabia exatamente em que lugar colocar seus pés de maneira segura, tornou-se uma companhia de viagem interessante, apesar de por várias vezes cansar Sirgoth com seu falatório e seu incansável repertório de curiosidades.

Por fim chegaram ao Rio de Antares e da ponte, guardada pelos soldados, avistaram os grandes muros que cercavam a capital. Por indicação de Oliver procuraram a mais confortável de todas as tavernas e para variar qual não foi a surpresa de Sirgoth ao notar que ele e o dono taverna eram velhos conhecidos e quem nem mesmo lhe eram cobradas refeições ou estádia. Certo momento não resistiu em perguntar-lhe:

- Então o golpe é este mascate? Traz os viajantes para cá e assim come, bebe e dorme sem pagar nada. Quanto já ganhou com isso?

- O Senhor deve saber como é difícil se viver por aqui. Cada um ganha a vida como pode – E foi a última observação que causou uma profunda irritação em Sirgoth.

- Só que com certeza você não sabia que os maiores preços de toda a capital são os daqui? Eu deveria ter lhe deixado onde te encontrei.

- Não diga isso Senhor! Posso conseguir bons preços aqui. E há ainda à noite que é sempre animada.

- Lembra do truque do homem lagarto Oliver? Se disser mais duas vezes a palavra “Senhor” vai passar um bom tempo coaxando como um sapo – A seriedade com Sirgoth falava fez que Oliver lançasse-lhe um olhar de espanto; Então, finalmente abriu-lhe um sorriso.

- É apenas brincadeira Mascate! Você é um bom homem.

- Além disso, desisto de tentar convencer-lhe a não me chamar de Senhor. Vou descansar e devo descer a noite.

O lugar era de fato aconchegante e da janela do quarto era possível ver o grande coliseu onde ocorriam os jogos e as corridas de bigas. Sirgoth pensou em conhecê-lo logo que fosse possível e enquanto olhava para a cidade foi tomado pelo sono e pelo cansaço da viagem e mesmo com todo barulho e movimento dos corredores adormeceu profundamente.

domingo, 11 de novembro de 2007

Capítulo IV

IV

Despedidas

As últimas noites pareciam as maiores que haviam vivido, cavalgaram sem descanso e Sirgoth não aparentava nenhuma melhora, ardia em febre e suava a todo tempo. Todos os dias Linian cuidava de suas feridas, mas havia algo provocado pela mordida do homem-lobo que parecia não deixar que curasse. Foi ao fim de uma tarde, quando o sol quase já desaparecia no horizonte que viram ao longe as torres de um forte e o castelo que não poderia ser outra coisa a não ser a escola que procuravam. Já estavam bem próximos quando viram uma tropa montada aproximar-se velozmente. Os homens trajavam uniformes e carregavam patentes do exército de Hermine, pararam a uma distancia de três metros e sacaram suas armas, eram quatro soldados e três arqueiros. Um dos soldados que usava uniforme tradicional dos lideres do exército Herminiano aproximou-se de Linian embainhando sua espada.

- Senhorita! Estivemos procurando-a por toda a região. Espero que não esteja ferida! – Disse, voltando-se em seguida aos soldados que aguardavam ordem.

- Levem o bárbaro. O que estão esperando?

Umaru, que até então permanecia sem compreender o acontecido, saltou velozmente do cavalo.

- Nenhum homem colocará as mãos sobre mim!

No exato instante em que falava Linian interveio ainda sem descer de sua montaria.

- Pare! Há um mal entendido aqui. Esses homens salvaram minha vida quando seu exército falhou general. São meus amigos!

- Mas Senhora! Como pode ter um amigo negro das tribos bárbaras e quem sabe até mesmo escravo?

- Diga mais uma palavra General e vai passar seus dias trabalhando na cozinha! Leve este homem doente para dentro – agora não se via mais em expressão doce e inocente que Sirgoth e Umaru haviam conhecido, mas assemelhava-se a uma rainha sentada em seu trono a dar ordens para seus súditos. Imediatamente os soldados desceram Sirgoth e o levaram para dentro.

Vários homens haviam permanecido no portão enquanto tudo acontecia, trajavam túnicas marrons e usavam grandes medalhões de três folhas, símbolos da gnose e da sabedoria. Um homem mais velho, de barba longa e cinzenta veio até Linian para recebê-la.

- Seja bem-vinda Senhorita! Não havíamos esperado sua chegada, mas mandarei que tudo seja providenciado. Acompanhe-me por gentileza. Seu amigo será acompanhado até seus aposentos.

A escola era um belíssimo lugar, com arquitetura rústica e uma tapeçaria vermelha cobrindo os principais corredores, decorado com candelabros das mais variadas formas e tamanhos. Todos os dias, pontualmente no fim da tarde um dos homens passava pelos corredores e trocava todas as velas. Durante o dia, espaços abertos construídos no teto permitiam a entrada da luz do dia que iluminava os corredores. O quarto onde Linian ficara hospedada era pequeno, mas aconchegante e tranqüilo como o restante do lugar. As três refeições diárias eram servidas em um grande salão com uma ampla mesa e trinta assentos. Agohot, o líder e mais velho dos sábios que havia recebido Linian no portão, era quem mais conversava e pacientemente andava todos os dias pelo lugar mostrando-lhe cada canto conhecido e conservado com orgulho. Umaru aparecia poucas vezes desde que haviam chegado e preferia alimentar-se quase sempre junto aos empregados, mas todas as manhãs subia aos aposentos de Sirgoth para acompanhar sua recuperação. Os pupilos de Agohot trataram-no com ervas durante uma semana, estando dia e noite um homem a beira de sua cama, na esperança de que acordasse, até que finalmente ao fim de uma tarde acordou demasiadamente suado e chamando por Linian que imediatamente foi levada a sua presença.

- Enfim, acordado! Como esta se sentido?

Enquanto falava Linian carinhosamente tocava as mãos de Sirgoth que parecia ainda atordoado. – Melhor que descanse um pouco mais, você esteve desacordado por quase vinte dias, desde que foi atacado pelo homem-lobo. Parece ter contraído o que Agohot chama de Licantropia.

- Sim! Eu me lembro do homem do homem-lobo, mas quem é Agohot e onde nós estamos? – Enquanto falava Sirgoth buscava apoio em Linian para levantar-se no instante em que a porta se abriu e surgiu a figura de Agohot e dois homens que dele haviam cuidado.

- Calma! Estamos seguros na escola e este é Agohot, o homem que gentilmente nos hospedou. Por que não deita novamente? Então poderá ouvir tudo que se sucedeu até chegarmos aqui.

Por horas permaneceram ali, Linian contando a história do menino do estábulo, sentada ao lado de Sirgoth e Agohot ouvindo atentamente a tudo, sentado pacientemente em uma cadeira, ao lado da cama. Por fim chegou também Umaru, com expressão de surpresa e satisfação.

- Salve nobre feiticeiro! Pensei que dormiria até o dia de minha partida – Disse Umaru.

- Partida? Do que está falando bárbaro? Ainda temos muito que fazer. É só me ajudar a levantar dessa cama – Enquanto falava Sirgoth esforçava-se uma vez mais por levantar-se.

- Fique quieto homem! Amanhã, logo pela manhã, você poderá levantar-se e caminhar normalmente – Desta vez foi Agohot quem o interrompeu em sua tentativa de erguer-se, ao que obedeceu prontamente e deitou-se novamente.

Na manhã seguinte Umaru e Sirgoth caminharam pelos jardins da escola e conversaram durante toda a manhã. Era um lugar belíssimo, decorado com flores das regiões selvagens e plantas rasteiras cultivadas todas as manhãs pelos homens que retiravam as mudas de uma grande estufa e as transferiam para os jardins.

- Diga-me Umaru! Por que a pretensão de partir? Nós poderíamos seguir para o sul, depois que empreender meus estudos nesse lugar.

- Não, nobre amigo! Receio que meu destino seja no Norte, ainda que seja uma região de guerras. Tenho que reencontrar meu povo, minha mulher e meus filhos. Se a guerra não houver terminado receio que seja preciso mais uso de minha espada do que antes havia previsto.

- Nunca me falou de filhos!

- Na verdade temo que já não os tenha, mas ainda assim devo procurar meu povo. Partirei amanhã pela manhã, antes do sol nascer.

- Diga-me ainda uma coisa. Sempre soube que Bárbaros possuem predileção por machados e armas de peso, mas você parece afeiçoado a espada.

- Ela se afeiçoou a mim, por trazer lembranças que não desejarei esquecer. Quando esse aço se quebrar eu o guardarei e então farei uso de um bom machado. E por falar em bons machados, se planejasse ficar aqui por mais dias faria eu mesmo um belo e afiado machado na forjaria da escola, mas tenho que partir.

- Que os Deuses Bárbaros o protejam!

Ainda conversavam quando Linian surgiu montada, trazendo consigo um outro animal selado.

- Que tal cavalgarmos pelos arredores da escola? Vi belas montanhas da janela de meus aposentos e está uma bela manhã.

Cavalgaram pelas montanhas sentindo o ardor fresco e o cheiro das flores da primavera que floresciam formando um mar colorido sobre as copas das árvores. Conversaram e ao final da tarde banharam-se em uma cachoeira de três quedas, que terminava em um grande e sereno lago, aonde os pupilos de Agohot vinham buscar água todas as manhãs. Na manhã seguinte Umaru partiu, como havia prometido, pouco antes do nascer do sol e sem despedidas. Linian ainda o viu partir já sentindo uma saudade suave do amigo com quem convivera por tão longa jornada.

Nos meses seguintes Linian e Sirgoth passaram a se encontrar apenas pelas manhãs, quando saiam e caminhavam até o lago onde estiveram com Umaru pela última vez. No que restava do tempo, Sirgoth mergulhava nos mapas e livros da biblioteca, estudando tudo que havia mudado desde que fora preso, imaginando em que direção o destino o levaria. Abaixo da Caledônia, ao Sul, estava a planície e o reino de Antares, que outrora fora um reino de Bárbaros e Gladiadores. Segundo Agohot, os jogos de luta já não aconteciam mais, deram lugar às corridas de bigas, que embora mais civilizadas nada tinham de menos violentas. Sirgoth decidiu que este deveria ser seu destino e dali decidiria por onde começar sua jornada em busca de uma escola de magia.

Partiu em uma manhã cinzenta de outono, levando sua pouca bagagem e algumas moedas que ganhará prestando serviços de escriba para Agohot. Linian o acompanhou até a saída dos grandes portões da escola.

- Ouvi noticias de que a guerra está preste a terminar. Deve logo retornar a sua casa – Disse-lhe enquanto caminhavam.

- Sim! Mas não me preocupo com minha casa e sim com você, que muito significou para mim e agora parti como se nunca tivesse existido – Enquanto falava, Linian tirou do pescoço um lenço vermelho, colocando-o ao redor do pescoço de Sirgoth.

- Também não me é prazeroso partir e deixar-te, mas nossos rumos não poderiam seguir juntos. Embora hábil com a espada e cheia de coragem, teu destino é a corte e a nobreza. És uma princesa, Linian, não uma guerreira. És uma bela e corajosa princesa. Devo ir agora e se encontrar o que procuro, então talvez retorne a Hermine para vê-la novamente.

As lagrimas correram aos olhos de Linian, enquanto Sirgoth sumia na estrada ao longe. Jamais havia conhecido homem igual, mesmo entre o luxo e as riquezas da casa de seu pai.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Capítulo III

III
Cidade de Lobos

O sol estava forte no meio do céu quando chegaram a uma grande planície, quanto mais persistiam na caminhada a falta de água e o forte calor pareciam enfraquecer os animais que já cavalgavam lentamente. Quando haviam avançado cerca de trezentos metros dentro da planície, um odor fétido encheu-lhes as narinas, por cerca de quatrocentos metros a frente havia corpos de soldados e animais espalhados, restos de armas e escudos destruídos, um cheiro de morte estava impregnado no lugar. Sirgoth viu Linian suspirar fundo com o susto que tal visão lhe causará. Desceu de sua montaria e caminhou por um tempo entre os corpos, Umaru e Linian permaneceram montados. Tomou um dos escudos quebrados e observou nele o desenho de uma águia.
- Conhece o significado da águia?– Perguntou Sirgoth erguendo o escudo para que Linian pudesse vê-lo.
- Sim! É o símbolo de Hermine. Deve ter sido uma terrível batalha.
Umaru, que havia se afastado de Linian e ainda permanecia montado, tomou a palavra enquanto observava dois corpos caídos em meio aos soldados.
- Deve ter sido uma batalha terrível sim Linian, mas também covarde. Não sei que tipo de homem ataca mulheres e crianças. Melhor irmos embora desse lugar. Não há nada com os mortos que possa nos interessar – Umaru falava em um tom sereno e sua expressão era grave e pesarosa.
Sirgoth dirigiu a ele um olhar de aprovação, montou de novo e chamou-os para partirem.
- Teremos que ser mais prudentes agora, nosso caminho esta ficando perigoso.
Tinham daí em diante a opção de continuar seguindo pela planície, mas sabiam que era arriscado encontrar acampamentos de soldados da Caledônia ou mesmo de Hermine, então decidiram seguir por um caminho aparentemente mais longo pela floresta a oeste. Ainda que também fosse este um caminho desconhecido, a floresta seria mais segura do que a estrada.
O tempo passava veloz à medida que avançavam pela floresta densa, que a cada novo dia parecia fechar-se mais sobre eles, até que chegaram ao ponto em que o sol quase não penetrava na copa das árvores, transformando o dia em noite a não ser por uns poucos raios luminosos. Seguidamente durante a noite ouviam uivos de lobos na floresta e sabiam que o caminho que haviam escolhido já não se fazia tão seguro quanto haviam imaginado.
Montaram acampamento à beira de um riacho, onde puderam se banhar e cuidar dos animais cansados. Umaru todas as noites caçava, levando apenas uma tocha e uma lança de madeira. Estava seguindo os rastros de uma manada de javalis até a beira de um riacho, a noite na floresta era extremamente escura, a tocha estava presa em um tronco alguns metros atrás e estava abaixado junto à trilha quando um galho quebrou atrás de si e fez com que voltasse lançando para trás um olhar assustado. Por diversas vezes havia tido a impressão de estar sendo seguido desde o acampamento, agora tinha certeza de ouvir rosnados em todas as direções ao redor e de ver os olhos vermelhos que brilhavam na escuridão, eram lobos! Correu até onde estava a tocha e tomou-a já sentido as sombras avançarem em sua direção, virou-se rapidamente e já estava cercado, eram lobos enormes como os lobos das estepes das montanhas do norte, mas seus olhares eram malignos. Já poderiam tê-lo atacado desde o acampamento, mas preferiram atemoriza-lo como se isso os agradasse. Tinha que agir rápido e quando percebeu que a grossa camada de folhas sob seus pés estava seca tocou-a com a tocha e o fogo subiu rapidamente. Um dos lobos saltou por entre as chamas em sua direção derrubando-o e fazendo com que a tocha caísse de suas mãos, sentiu o hálito quente em sua face, usou toda a força que lhe restava e arremessou o lobo de volta em direção ao fogo, ergueu-se deixando para trás a tocha caída e correu em direção ao acampamento tropeçando na escuridão e sentindo-os avançarem cada vez mais próximos. Viu então um brilho a sua frente, Sirgoth estava parado, seus punhos estavam em chamas como já havia visto antes, sua expressão era sombria, fez com que o fogo de seus punhos aumentasse queimando a folhagem ao seu redor. Voltaram para o acampamento e fizeram em torno deste um grande circulo de fogo. Durante toda aquela noite revezaram a guarda e sentiram-se cercados como se fossem provocados, impedidos de descansarem antes que o dia amanhecesse.
Ao amanhecer perceberam que os cavalos haviam desaparecido, mas não havia sinal de sangue, apenas um rastro de cavalgaduras e passos humanos em direção ao sul, o que tornava tudo um mistério ainda mais intrigante, havia homens na floresta durante a noite e haviam levado os animais para onde certamente chegariam seguindo os rastros que ainda eram recentes.
Enquanto caminhavam Umaru lembrou-se uma antiga lenda de sua tribo, a lenda dos homens lobos que a cada lua cheia percorriam as montanhas e roubavam as donzelas para procriarem, olhou para Linian que seguia a sua frente e um calafrio percorreu-lhe o corpo. Estava desse modo perdido em seus pensamentos, quando viu Sirgoth parar subitamente a sua frente, caminhou alguns passos a frente e pode ver a entrada de uma vila em meio a uma clareira que se abria na mata, eram várias casas de madeira e folhagem, ordenadas lado a lado, logo na entrada estava uma grande placa caída, mas as letras estavam apagadas. Na medida que caminhavam era possível ver homens e mulheres se movimentando, então foram perdendo o receio e seguindo vila adentro, de modo que o lugar já não parecia mais tão pequeno como antes. Bem no centro agora havia uma capela, em um estilo bem diferente das demais construções, era construída de tijolos vermelhos, tinha uma grande porta de madeira trabalhada, passaram por ela e seguiram adiante até que encontraram finalmente o que estavam procurando, uma placa em cima de uma portinhola indicava o nome de uma taverna: “Dente de Leão”.
O lugar não tinha um aspecto que se poderia chamar de agradável, era escuro e sujo, mas de depois do tempo que estavam viajando parecia-lhes suficiente. Estava quase vazio, apenas dois homens bebiam e conversavam em uma mesa, um homem robusto estava sentado do outro lado do balcão.
- Algo para comer Senhor? – Perguntou Sirgoth de pé, diante do balcão.
Sem dizer uma palavra ou demonstrar simpatia o homem entregou-lhe um livreto, Sirgoth por sua vez apontou-lhe o que desejavam e devolveu-lhe o livro.
- Vocês tem quartos? - Insistiu Linian, interrogando novamente o taverneiro.
Sem dirigir-lhes o olhar que estava voltado para baixo do balcão o homem finalmente respondeu:
- Quantos dias os Senhores pretendem permanecer aqui?
- No máximo uns dois dias – Respondeu Sirgoth.
- Então serão quatro moedas de prata.
Enquanto terminava de falar ia colocando os pratos sobre o balcão e ao lado destes colocou duas chaves.
- Certamente a dama vai desejar quarto separado não é mesmo? - Disse o homem percebendo que haviam estranhado o fato de haverem duas chaves.
Sirgoth então se dirigiu a Umaru:
- Ao menos se lhe falta humor ele tem bom senso.
A noite já caia e enquanto comiam e conversavam animadamente o lugar ia se enchendo, todos quanto entravam pareciam observa-los com estranheza. Eram homens e algumas poucas mulheres, alguns traziam consigo instrumentos musicais. Tocavam, cantavam e tiravam seus pares para dança. Diversas vezes alguém se aproximava da mesa e convidava Linian, mas insistentemente ela negava a todos, até que resolveram que era hora de descansar.
Umaru não conseguia dormir, mesmo aquele lugar caindo aos pedaços parecia confortável demais para um bárbaro das montanhas. Então ficou revirando na cama de um lado para o outro, olhando para as paredes escuras iluminadas pela tocha, até que um barulho vindo do corredor chamou-lhe a atenção, eram passos fortes e um rosnado que tinha certeza de haver escutado antes. Saltou da cama em um pulo e percebeu que Sirgoth já estava de pé ao seu lado, quando se dirigiram para a porta um estrondo tomou conta do lugar e ela foi arremessada na direção de Umaru atingido-o em cheio e lançando-o contra a parede. Parado, onde antes havia uma porta estava uma criatura imensa, meio lobo e meio homem, os olhos vermelhos faiscavam e as mandíbulas escancaradas deixavam à mostra as enormes presas. Sirgoth lançou um olhar sobre a tocha, única fonte de iluminação do quarto que ficava presa junto à parede, o fogo parecendo estar vivo cresceu e saltou sobre a fera, tomando-a por completo, mas não impedindo que ela saltasse em sua direção e cravasse as enormes unhas em seu peito, fazendo com que caísse de costas, tendo sobre si o seu enorme peso. Tentou alcançar a espada de Umaru caída ao lado da cama quando uma enorme mordida acertou-lhe na altura do ombro. Quando seus dedos já estavam bem próximos da lâmina a criatura deu um urro de dor e repentinamente foi arremessada para o lado, cravado em suas costas estava um enorme pedaço de madeira retirado dos restos da porta. Umaru golpeou-a com a espada mais duas vezes até que finalmente estivesse morta, então um pensamento tomou-lhe a mente.
- Linian! Eles querem Linian Sirgoth!–Enquanto falava corria em direção ao quarto de Linian. Sirgoth, ferido, seguiu-o.
No meio do corredor, antes do quarto, estava mais um homem-lobo, parecia maior e mais medonho que o anterior. Sirgoth afastou com o braço Umaru que havia parado dois passos a sua frente e gesticulando fez com que uma enorme bola de fogo se formasse a partir de sua mão e tomasse todo o corredor, atingido em cheio o inimigo que foi arremessado com tamanha violência pela explosão que sumiu de vista, deixando um caminho de fogo nas paredes, no teto e no chão até o fim do corredor. Como Umaru havia calculado, a porta do quarto de Linian estava aberta e o quarto vazio, Sirgoth então pode ouvir gritos a distancia que Umaru parecia não perceber, puxou-o pelo braço e ambos buscaram a saída da taverna que estava vazia. Quando, porém, atravessaram a porta de saída um enorme susto novamente parecia ter-lhes tomado o espírito ao perceber que a vila estava tomada pelas criaturas. Em sua primeira visão Sirgoth calculou que deveriam ser em número de quarenta enormes criaturas e no meio delas estava a maior de todas, carregando Linian que gritava desesperadamente. Não havia dúvidas, ou Sirgoth usaria todo seu poder como jamais havia tentado ou desistiria de salva-la ou mesmo de salvar suas próprias vidas, ergueu os braços e deu um enorme grito, o corpo de Umaru transformou-se em uma tocha incandescente, mas não sentia, porém queimar-se. Um enorme circulo de fogo foi crescendo ao redor de Sirgoth, expandido-se cada vez mais e colocando em chamas um enorme número dos inimigos que corriam assustados e tentavam apagar as chamas. Umaru correu furioso e ajudado pela magia arremessava com um só golpe aqueles que se colocavam em seu caminho. Quando chegou até Linian saltou e cravou por inteiro a espada naquele que a segurava, tomando-a pelos braços. Estava desorientado, sem saber para onde seguir quando percebeu que as chamas o haviam abandonado, viu Sirgoth caído ao longe e um enorme número de homens-lobo ao seu redor, correu na tentativa de alcança-lo antes que pudessem se recompor da repentina derrota que haviam sofrido, tomou-lhe nos ombros como já havia feito com Linian e um único lugar pareceu lhe viável para se manter seguro: a grande capela no centro da vila, correu tendo atrás de si seus perseguidores famintos e quando parou diante da grande porta de madeira notou estranhamente que haviam parado de avançar a uma certa distancia, havia algo naquele lugar que impedia que aproximassem. No interior o lugar se mostrou mais impressionante, com bancos de madeira bem esculpidos e divididos em quatro fileiras, decorado com toda uma tapeçaria vermelha, grandes luminárias pendiam do teto até um grande altar no fim do corredor central. Ainda era possível ouvir os uivos do lado de fora, mas ali estariam seguros, Sirgoth permanecia desacordado nos ombros de Umaru.
- Venha Linian! Deve haver algum lugar em que possamos repousa-lo com mais conforto – Enquanto falava caminhava para uma das duas portas que ficavam atrás do altar.
Encontram um quarto vazio com quatro camas e apesar de estar aparentemente abandonado o lugar era limpo e confortável. Umaru dormiu profundamente enquanto Linian durante toda a noite cuidava do ferimento no ombro de Sirgoth que parecia delirar a todo tempo. Estava exausta quando o dia amanheceu e Sirgoth não parecia demonstrar nenhum sinal de melhora, agora estava ardendo em febre. Umaru permanecia todo o tempo ao lado da cama.
- Temos que sair daqui, já procurei por todo esse lugar e não há comida ou qualquer medicamento – Disse Umaru.
Linian ficou parada por instante, notando que nem havia se dado conta na noite anterior que Umaru estava falando no dialeto comum aos humanos, ainda que fosse uma fala arrastada e cheia de dificuldades.
- É melhor então que saiamos juntos, se algo acontecer a você nós não teremos mesmo nenhuma chance de sobreviver e entre morrer lá fora ou ficar aqui e morrer de fome é melhor arriscar uma chance de ir embora desse lugar – Respondeu-lhe Linian.
Para surpresa de ambos a vila estava vazia, não havia nenhum sinal de homem ou lobo. Caminharam até o estábulo da taverna onde haviam estado hospedados e viram então a figura de um menino que trançava a cauda de um cavalo.
- Bonito animal não é? Eu o encontrei na floresta umas noites atrás. Devia ser de algum viajante que o perdeu. Gostam de cavalos?
Cada instante naquele lugar parecia se tornar mais misterioso e maligno que o anterior. O que faria aquele menino ali naquele lugar, numa vila tomada por criaturas malditas? Sirgoth certamente buscaria essas respostas, mas bárbaros não gostam de feitiçaria e a vida de Sirgoth estava em risco.
- Dou minha espada por esse cavalo garoto, é uma legitima espada de do reino de Hermine – Enquanto falava Umaru retirava da bainha a espada com o desenho do unicórnio, símbolo de Hermine, gravado na lâmina. Os olhos do menino brilharam e logo jogou novamente a cela sobre o animal. De longe ainda o viram acenar enquanto entravam novamente na floresta com a intenção de nunca mais voltar aquele lugar.
- Você me surpreendeu com a facilidade de aprender nossa língua, mas também tenho minhas surpresas – Disse Linian sorrindo.
- Do que você esta falando? – Umaru parou o cavalo. Linian retirou do vestido um pergaminho e o desenrolou na direção de Umaru.
- Vejo que é um mapa, mas não posso compreender suas escritas.
- É um mapa de toda essa região, arranquei da parede da taverna. A escola deve estar a uns dois dias daqui.
Umaru apenas sorriu e seguiu na direção que ela havia indicado, na esperança de chegar na escola a tempo de salvar a vida de seu amigo.

sábado, 3 de novembro de 2007

Capítulo II

II

Dias de esquecimento

Acordar naquele dia fez Sirgoth arrepender-se amargamente por não ter ao menos tentado uma fuga enquanto havia possibilidade. Estava deitado em um chão úmido, cercado por paredes de pedras frias e grossas, certamente era um dos calabouços de um forte de Arkedun, provavelmente muito abaixo do nível do solo, a porta da frente era de um ferro maciço, com uma pequena janela de onde se via as tochas que iluminavam o corredor, e vindo deste se podia, a todo o tempo, ouvir gritos de agonia e gemidos. Uma vez por dia um guarda arremessava por uma fresta um pouco de comida, insuficiente para alimentar uma criança, mas que fez com que Sirgoth sobrevivesse por longos quarenta e cinco anos lunares. Certa vez soubera por um dos guardas que ao ser achado caído na estrada não havia mais junto a ele nenhuma das crianças, aliviara-se com isso e ao mesmo tempo preocupava-se do que lhes teria acontecido, lembrava-se das palavras que havia escutado na floresta, seu destino estava atado ao destino dos pequenos, imaginava como poderiam estar e como o mundo estaria mudando enquanto tentava não perder a conta do tempo que estava preso, riscando nas paredes os dias que se passavam. Era difícil sobreviver à loucura que o calabouço impunha sobre suas esperanças e nos dias mais frios aquecia-se junto ao fogo, sua única companhia durante longos anos, quando tentava exercitar sua mente e seu corpo, imaginando o que faria se um dia conseguisse a liberdade, conhecer os lugares dos quais só havia ouvido falar durante toda sua vida.

Até que em uma manhã despertou ao som de correntes e de uma velha tranca de aço se abrindo. Pela mudança na umidade do ar, sabia que era o inicio de mais uma manhã, fazia anos que não ouvia esse barulho, anos que não se ouvia uma só porta abrir ou fechar. Em seguida escutou barulho de armaduras e passos no corredor, mas não ousou olhar, sabia que os soldados do calabouço não usavam armaduras. Repentinamente o barulho pareceu aumentar próximo à cela, até que um estalo fez com a tranca de sua cela se abrisse e surgiu a imagem de quatros guardas, dois deles vestidos com armaduras da infantaria Arkeduniana, facilmente reconhecidas pela lua e pela serpente desenhadas junto ao peito, outros dois que seguiam mais a frente também usavam armaduras, mas de porte mais fino e trabalhado, exalavam um odor de perfume e bebida que se tornou mais forte que o costumeiro cheiro de mofo impregnado no ar. Estava encolhido em um canto enquanto aproximavam dele a tocha. Um dos dois homens que vinha à frente dirigiu-se a ele.

- Vejam o que temos aqui Qual é o seu nome?

Como Sirgoth permanecia em silêncio dirigiu-se então a um dos guardas que seguravam as tochas.

- Leve-o e ponha-o entre os demais que serão levados.

Dali em diante não houve mais diálogo nem mesmo entre os guardas que caminharam durante muito tempo pelos corredores do calabouço, recolhendo outros presos que, como Sirgoth, tinham suas mãos amarradas às costas e seguiam empurrados pelos que haviam ficado do lado de fora da cela, e agora podia notar que eram em número de quinze ou vinte. Quando todos pareciam ter sido tirados de suas celas foram conduzidos uma vez mais através dos corredores que formavam um grande labirinto. Sirgoth seguia observando e notava que seria realmente impossível para alguém conseguir fugir do forte, como muitas vezes havia pensado.

Ao final dos corredores terminaram por sair em uma caverna, o que confirmava sua suspeita de que o forte era construído abaixo do solo. Depois de percorrerem caminhos tortuosos através da caverna chegaram a uma saída em meio a uma floresta, não podia ser aquela a saída principal, caso fosse não conduziriam presos conscientes por ela, a não ser que pretendessem executá-los a seguir. Havia três carroças arrumadas e dois animais atados a cada uma, sobre elas estavam montadas jaulas que a primeira vista deveriam comportar uns dez ou doze homens cada, em seguida foram divididos e colocados nas carroças, alguns nem sequer conseguiam se por de pé e muitos nem mesmo chegaram ao meio do caminho que seguiu por uma trilha floresta adentro desde o amanhecer até quando a noite finalmente caiu e as carruagens pararam. Os soldados começaram então a arrastar os homens para fora da carruagem, subiram de volta e seguiram pelo mesmo caminho de onde haviam vindo, fazia muito frio e uma chuva fina começava a cair. Na escuridão era possível ver muito pouco, Sirgoth fez com que uma chama crescesse em seus punhos para se livrar da corda e iluminar a noite, facilitando para que pudesse procurar pelos outros. Percebeu que estavam à beira de um grande pântano, havia muitos corpos, mas nenhum sinal de vida. Quando já aceitava sua procura como inútil, encontrou imerso na lama um sobrevivente, sua respiração estava fraca, puxou-o para baixo de uma árvore e tentou aquece-lo apesar da chuva que se tornava mais forte, terminou adormecendo.

- Acorda estranho! Temos uma longa caminhada.

Alguém o estava sacudindo pelos ombros, o sol claro fazia arder seus olhos, a voz era forte e o dialeto comum aos montanheses. A sua frente estava um homem negro, robusto, que tentava acorda-lo.

- Sou Umaru, das tribos do norte. Eu vi o que fez ontem, você deve ser um feiticeiro. Seu fogo pode nos ajudar a sobreviver e preparar a caça que vamos precisar em nosso caminho.

E Umaru se mostrou realmente um grande caçador, mesmo naquele naquela região pantanosa conseguia caçar e mante-los vivos, suas habilidades bárbaras e o fogo de Sirgoth os animavam a continuar caminhando dia e noite. Contava sobre sua vida na tribo e sobre como havia perdido todos os seus homens ao ser capturado pelo exército de Arkedun há quinze anos. Uma grande amizade crescia entre os dois, embora não parecesse que duraria muito tempo, pelo fato de que Umaru a todo tempo falava da intenção de seguir em busca de seu antigo povo e Sirgoth não pensava em retornar para o norte, queria seguir para o sul, em busca dos lugares que havia imaginado durante os dias de cárcere, desejava sair em busca de recuperar todo o tempo que havia perdido e quem sabe reencontrar as crianças, ainda que para isso tivesse mais tarde que retornar ao norte. Estimavam que, pelo tempo que haviam seguido desde a prisão não deveriam estar muito longe de Arkedun, mas seguiam as estrelas e caminhavam sempre em direção ao sul.

Já haviam contado vinte luas quando acamparam em meio à relva e já dormiam enquanto a fogueira permanecia acesa, quando foram subitamente acordados pelo barulho de cavalos, calcularam que houvesse bem próximo deles uma estrada, a noite estava clara, caminharam na direção do barulho até que chegaram finalmente a estrada. Caminharam nela por algum tempo até que Sirgoth encontrou marcas de cascos de cavalo recentes, dois homens montados haviam seguido por ali em direção ao sul, certamente ninguém sem uma patente se arriscaria a viajar durante a noite, ainda que fosse uma noite clara, o que os fazia acreditar que deveriam ser soldados. Ainda examinavam o solo em busca das marcas quando ouviram novamente uma troteada maior e mais próxima, saltaram a beira da estrada e aguardaram até que três carruagens surgiram na curva ao norte. Repentinamente uma idéia apoderou-se de Umaru, arrastou um pesado tronco e jogou-o no meio da estrada por onde passariam as carruagens, Sirgoth entendeu o recado e o galho explodiu em chamas quando as carruagens já estavam bem próximas, fazendo com que os animais assustados desequilibrassem os homens que as conduziam. Agora com a luz do fogo estava claro que eram soldados, sacaram suas espadas e saltaram assustados e desordenados das carruagens. Umaru saltou como uma pantera do lugar onde havia estado escondido, seus punhos serrados acertaram a cabeça de um dos soldados, arremessando-lhe o elmo a distancia e fazendo com que caísse em inconsciência. Dois soldados que estavam próximos avançaram, a agilidade do gigante das montanhas fez com esquivasse do primeiro golpe de espada que passou rente a sua cintura, em resposta acertou o queixo do soldado com as costas da mão colocando-o fora de combate, porém nem sua agilidade salvou-o de um terceiro homem e um golpe na altura da barriga abriu-lhe um profundo corte, fazendo com que recuasse, então quando esperava um segundo e fatal golpe, a lâmina de uma espada surgiu banhada de sangue através do soldado e atrás dele, de pé, empunhando a espada, estava Sirgoth. Demonstrando uma vez mais surpreendente agilidade, o bárbaro tomou a espada caída ao seu lado e golpeou o ar acima da cabeça de Sirgoth, tombando o homem que lhe vinha pelas costas, de forma que não se via mais sinal de movimento ao redor a não ser o dos animais assustados. Sirgoth olhou os passos na estrada, havia mais seis homens, todos fugiram em direção ao norte, certamente havia alguma vila ou cidade bem próxima dali onde sabiam que seriam acolhidos devido a patente que carregavam. Ainda examinava os rastros quando foi interrompido por Umaru, que examinava as carruagens.

- Veja Sirgoth, o que encontrei!

Aproximou-se e viu dentro de uma das carruagens uma mulher de belíssima aparência, estava encolhida em um canto, visivelmente assustada, tanto que nem pensara em saltar da carruagem e fugir. Sirgoth se lembrou de que havia estado assim quando os soldados entraram no calabouço e aproximaram dele a tocha.

O bárbaro percebeu que ela não compreendia o que ele fava com Sirgoth em sua linguagem, comum apenas aos bárbaros do norte.

- Diga a ela que em minha terra não matamos ou ferimos mulheres!

Sirgoth ficou por um instante a observa-la, tinha o cabelo negro e longo, trajava um vestido branco e nobre.

- Diga-nos seu nome - Disse Sirgoth.

Permaneceu em silêncio por um tempo e ainda em uma fala arredia e assustada respondeu-lhe.

- Linian é meu nome. Por favor não me mate! Apenas deixe-me aqui e os soldados voltaram para buscar-me.

Ambos riram interiormente de sua inocência em acreditar que os homens iriam voltar.

- Certamente precisaremos de seu ouro e sua prata, assim como sua comida, mas não creio que seus soldados voltem para buscá-la, são mal disciplinados e mal treinados até mesmo para alguém como eu, que nada sabe das artes da espada - Disse Sirgoth, estendendo a mão para ajudá-la a descer da carruagem.

Umaru esforçava-se inutilmente para compreender o que está acontecendo.

- O que disse ela?

- Pediu para seguir conosco. Ajude-me a desatar os animais antes que os soldados “retornem”, agora temos animais e comida de verdade, mas teremos que cavalgar rápido e fora da estrada para não sermos encontrados ao amanhecer.

Seguiram juntos por incontáveis luas, de modo que na maior parte do tempo Umaru apenas observava Sirgoth e Linian conversarem, já que não compreendia o dialeto em que conversavam. Somente poucas vezes se comunicavam por gestos ou pelo intermédio de Sirgoth. Através de Linian souberam que dois grandes reinos, Hermine e Caledônia, estavam em guerra a mais de 60 ciclos lunares pelas terras que intermediavam os dois reinos. Seu pai, um nobre da corte de Hermine, resolvera mandá-la para uma escola de sábios ao sul, onde calculava que estaria segura caso Hermine viesse a perder a batalha. Uma noite, quando estavam sentados à beira da fogueira, Linian contou-lhes como o antigo tirano de Arkedun havia morrido e como o novo imperador havia assumido o trono, então finalmente compreenderam por que haviam sido libertos de maneira tão repentina, possivelmente não interessava ao novo imperador manter retidos os presos de seu antecessor.

Pela tarde, quando paravam para descansar, Sirgoth e Linian aventuravam-se a tentar aprender com Umaru o manejo da espada e quase sempre Linian obtia mais sucesso que Sirgoth. Embora Umaru não tivesse muitas qualificações como instrutor, por não serem os bárbaros especialistas em espadas, ao menos fazia com que já não parecesse mais aquela menina tão indefesa que haviam encontrado tempos atrás.

Mesmo com todas as paradas que continuamente faziam para descansar, estavam extenuados de tão longa caminhada e começaram a pensar que não seria má idéia a possibilidade de se dirigirem e hospedarem por um tempo na escola de sábios. Para Sirgoth, de modo especial, essa possibilidade se mostrava interessante pelo fato de que poderia faze-lo entender tudo que havia mudado desde sua prisão. Com esse pensamento, continuaram seguindo para o sul na esperança de encontrarem a escola.

“As três vidas correram pelos campos, sem destino ou juízo, deixando-se levar pelo vento qual um pequeno pássaro em seu primeiro vôo, ao sabor do medo e a emoção de cada passada, de cada noite iluminada pela lua”.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Capítulo I

I
Resquícios

- Chegou em tempo meu jovem Bardo, vou acender mais algumas velas, sente-se e coma algumas das frutas que eu mesmo colhi para esta ocasião. Como é mesmo seu nome?
- Baniodi é meu nome. Perdoe meu nervosismo, mas minha juventude dificulta-me acreditar que estou diante de Sirgoth e que fui por ele escolhido para ilustrar essa narrativa.
- As lendas às vezes fazem os homens parecerem maiores do que são meu jovem, que se dirá então dos magos, que por gerações seguidas sobrevivem sobre no solo desta terra? Embora minhas forças estejam longe do que um dia já foram.
- Os olhos de Baniodi estavam fitos aos gestos do ancião que movia suavemente os dedos no ar enquanto as velas se acendiam ao seu redor.
- Vamos começar então, anseio que tudo seja escrito antes que eu tenha que partir.
Há muitas eras, nas Montanhas do Norte, quando estas ainda não formavam o colossal reino de Arkedun, que estava limitado a um forte reinado, governado por um tirano mão-de-ferro, Sirgoth estava, entre o povo dos antigos feiticeiros, no viço de sua juventude, iniciando-se na magia da Escola das Cavernas do Norte, onde a lava incandescente ensinava-lhes o manejo das antigas artes místicas do fogo. Os bárbaros ainda corriam livres pelas montanhas com suas crianças, caçavam e guerreavam entre si. No entanto, embora se mantivessem longe de Arkedun, temerosos pelas derrotas sofridas nos últimos quinze anos lunares, a cada dia viviam acostumando-se a estarem acuados e reprimidos pela fome e há muito haviam perdido o brilho dos guerreiros saqueadores de terras, seus domínios ainda eram extensos e ao mesmo tempo em que faziam brilhar a cobiça nos olhos do tirano de Arkedun, provocava temor no mais forte dos homens imaginar enfrenta-los nas florestas fechadas sobre as concavidades e fissuras que ladeavam e repartiam as montanhas.
Quando em uma tarde chegou a noticia de que Arkedun invadiria as montanhas bárbaras, o Grande Conselho das Cavernas de Fogo se reuniu como só acontecia a cada vinte anos lunares e decisões importantes, que durariam vidas inteiras, foram tomadas antes que o sol daquela tarde desaparecesse dos céus. Os mais sábios entenderam que se tomassem as montanhas o exército de Arkedun certamente chegaria as cavernas.
Sirgoth desejava em seu espírito estar naquela sala, sentado ao redor da grande mesa, iluminada pelo fogo sagrado das montanhas, mas só ao cinco mais antigos cabia tal honra. Estava sentado junto aos demais na grande mesa do salão circular, quando soube que seriam divididos entre aqueles que deveriam esvaziar o lugar, que por anos haviam chamado de lar, e aqueles que deveriam partir em auxílio dos bárbaros que por anos haviam sido a única companhia na solidão das montanhas.
Caminhou entre as velhas cabanas destruídas, se afastando dos outros que o seguiam, observando os corpos dos bárbaros e dos soldados de Arkedun, não eram poucos os que haviam tombado no combate, mas nada encontrou que animasse a continuar sua busca. Observou então as marcas, deixadas por cascos dos animais ferrados, em direção ao interior da montanha, os bárbaros não ferravam seus animais, estava claro que os soldados haviam descoberto a Escola das Cavernas, onde a morte certamente esperava para engoli-los em forma de uma armadilha de calor e larva incandescente.
Sirgoth deixou os demais para trás sem dar uma palavra, movido apenas pelo impulso de seu coração, seguiu cavalgando sem rumo em direção ao norte, querendo se afastar de alguma maneira daquele lugar. Já havia cavalgado por quase toda noite, quando ouviu na escuridão o barulho de rodas e animais e pensou consigo mesmo que só poderiam ser soldados de Arkedun, retornando ao Império com o que haviam retirado dos bárbaros. Cavalgou mais depressa pela estrada que agora se estreitava, sem se preocupar com o risco que poderia correr pela sua imprudência, até que viu ao longe a carruagem e enquanto cavalgava seus braços se acenderam como duas tochas, de maneira que toda a estrada a uma distância de três metros ficasse iluminada. A carruagem parou, as armaduras dos soldados reluziram ao brilho do fogo, eram quatro, dois primeiros correram para fora da estrada em direção a floresta, assustados com a figura sinistra que avançava com uma fúria que em nada se parecia com um homem que por anos havia estudado as artes da magia em um lugar de paz e silencio. Num instante Sirgoth parou diante dos dois soldados restantes a uma distancia de quinze passos, nenhuma palavra foi dita, uma luminosidade saiu de seus dedos apontados em direção aos soldados e um pequeno brilho partiu no ar como o zumbido de uma flecha cortando o vento, explodindo em chamas ao encontrá-los. Então, quando finalmente se deu conta do que havia feito, correu até a carruagem passando pelos corpos em chamas, havia nela uma pequena jaula e dentro, embrulhados em folhagens verdes, três pequenos recém-nascidos, havia ainda alguns barris e baús que não tomou conhecimento em abrir. Tomou os pequeninos em seus braços e montando uma bolsa que carregava a frente de seu corpo prosseguiu cavalgando, sabendo que ao amanhecer teria uma legião de soldados a sua procura.
Enquanto cavalgava e pensava em como iria escapar do cerco dos soldados, lembrou-se de que muitas vezes havia ouvido falar da Floresta das Sombras, escondida entre as montanhas do norte, e ouvira os sábios dizerem que em algumas de suas partes a floresta só se deixava encontrar por aqueles aos quais desejava e aquele haveria de ser seu dia, tinha de ser seu dia. Seguiu entre vales e matas cada vez mais densas, no ponto em que se tornou impossível seguir montado deixou para trás o animal e seguiu a pé, movido apenas por um instinto de que estava no caminho certo, até que o dia que surgia no amanhecer pareceu desaparecer em instantes, os galhos se fecharam sobre sua cabeça como na noite mais escura que já havia visto, uma presença assustadora pairou na escuridão, uma presença que poderia ser sua última esperança. Em instantes a floresta parecia ter lhe tragado e podia senti-la movendo ao redor, como alguém que tentasse lhe falar algo ao ouvido.
- Sirgoth, das montanhas de fogo! Tens coragem de chegar até aqui!
- Os pequeninos! Salve os pequeninos, espírito da floresta das sombras! - Arfava e falava com dificuldade, sua garganta estava seca e suas pernas trêmulas de cansaço.
- Deixe os pequenos, feiticeiro, mas existem coisas que o destino uniu e que nós não podemos separar! Seu destino está unido ao deles como a sombra e a luz!
- Não me importa... - Tentou ainda algumas palavras, mas suas pernas vacilaram e acabou caindo vencido pelo cansaço.
Ao acordar sentiu o sol queimar-lhe o rosto, estava em uma estrada e havia ainda consigo duas das três crianças, começou a caminhar se esquecendo de uma vez por todas do risco de ser encontrado, o sol o incomodava, a fome e o cansaço o impediam de caminhar e havia ainda os pequenos, que não resistiriam a uma longa jornada. Após algumas horas de caminhada faltou-lhe novamente força para prosseguir, havia perdido a noção de quantas horas estava caminhando. A imagem turva de uma carruagem surgiu a sua frente, ainda podia diferenciar o balanço do metal de armaduras, até que alguma coisa o atingiu na cabeça e novamente terminou por abraçar a inconsciência.
Quando voltou a si sentiu seu corpo pendido no ar, tinha dificuldade de respirar e seus pulsos queimavam! Ouvia vozes ao redor, mas não podia diferenciá-las a principio. Aos poucos, à medida que sua visão clareava, se deu conta de que estava sendo carregado pendurado em uma estaca apoiada sobre o ombro de dois homens robustos que pela aparência e aspecto eram bárbaros capturados nas montanhas. Ao redor, até onde conseguia inclinar sua cabeça, havia vários soldados. Pelo barulho das armaduras deveria haver mais homens à frente, fora de sua visão. Havia ainda som de cavalgaduras e um cheiro forte de animais, estavam montados. Bem próximo conseguiu ouvir som de choro de mulheres, mas nada de crianças. Um dos soldados que estava próximo falava algo a seu respeito, não havia dúvidas, era um dos dois homens que haviam fugido no dia anterior, certamente havia lhe identificado, agora sim estava perdido. Um dos homens aproximou-se e jogou-lhe no rosto uma bebida forte que fez suas vistas queimarem e os soldados davam risadas. Havia sido preparado durante toda sua vida para ser um feiticeiro e não um guerreiro das estepes, não sabia quanto tempo sobreviveria aquela empreitada. Poderia facilmente usar o fogo e livrar-se das cordas, mas não sabia quantos homens havia e se conseguiria enfrentá-los, preferiu prosseguir como estava até que novamente perdesse a consciência ou que chegasse a seu derradeiro destino, o que não demorou muito, pois um dos homens atingiu-lhe na cabeça com o punho da espada, sentiu o sangue escorrer cobrindo-lhe a visão.
- Sei que os jovens são ansiosos, mas basta por hoje. Sou um homem velho e a sabedoria nos ensina a paciência, amanha ao anoitecer, depois de minha última refeição, continuaremos a história. Encerre com uma de suas poesias, uma que fale da beleza daquelas pequenas crianças, do brilho que havia naqueles olhos pequeninos e sofridos. Termine sua refeição e deixe a porta encostada, eu irei descansar.
“Dos lírios que nascem no vale nada se iguala à beleza, e ainda que nasça em meio ao escuro pântano conservar-se a seu brilho e viço. Que as mãos corrompidas dos negros corações não toquem sua mácula e enegreçam sua beleza, que seja cantada por todos os homens que pisarem este solo”
Poesia primeira.
Dos manuscritos de Baniodi, Bardo cantador das noites.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Como tudo começou...

Uma Terra Perdida de heróis e lendas!

A Terra perdida vai apresentando-se aos poucos e por si própria, algumas vezes poderá mesmo parecer um passado longínquo de nossa própria humanidade, outras uma inspiração das terras mágicas de J.R Tolkien ou de Conan: o Bárbaro, e é de fato um conjunto de todas essas inspirações que marcaram minha geração e fizeram a fantasia dos amantes de RPG de uma pequenina cidade chamada Bom Jesus do Itabapoana.

Dispenso apresentar o que seja RPG, são muitos os sites dedicados ao assunto, embora tenha vontade de que este seja também um espaço para discutimos as polêmicas controvérsias que envolvem o jogo. Enfim, a estória que vamos contar não nasceu em torno de uma mesa, porém ganhou fôlego na interpretação dos meus amigos e camaradas a quem atribuo esses créditos: Jorge Luiz (Gwideon), JP Bernardes (Heranon), Guizo (Kletus) e outros que aos poucos vamos conhecendo!

Os personagens, em minha definição, tão sombrios e enigmáticos quanto a terra em que vivem, embora idealizados por esse autor, ganharam persona na interpretação das longas histórias e no lance dos dados que determinaram o desfecho de cada um. Além dos três personagens centrais apresentados acima, outros se juntaram à longa jornada dos irmãos que partem em busca de justiça e porque não de um pouco de glória? Aqui preciso mesmo citar Wallans e seu monge, novamente Jorge Luiz que em sua dupla interpretação deu conta do paladino do sol, Tchelli e sua rainha dos arcos, Dayane e a sombria ranger que tantas vezes garantiu a sobrevivência do grupo em terras tão inóspitas e Marcos e as peripécias do Ladino que nos fizeram algumas vezes levantar de nossas cadeiras, seja em revolta ou espanto! A todos vocês, aos que possam ter sido esquecidos e aos que vão curtir essa história a partir daqui, espero que se divirtam tanto quantos nós que a construímos.

Para todos, por fim, a primeira parte dessa narrativa constituí novidade, ela se passa antes do reencontro que marca o inicio das aventuras de Heranon, Gwideon e Kletus, mas o velho Sirgoth é personagem central também da segunda parte da trama e figura em torno da qual se constroem os destinos da Terra Perdida.

Menos papo, mais estória, vamos lá!!!